Brasil,Política UMA DEMOCRACIA EM CONSTRUÇÃO E AS ELEIÇÕES 2014

UMA DEMOCRACIA EM CONSTRUÇÃO E AS ELEIÇÕES 2014

Por Flávio Passos

Ao mesmo tempo em que refletem o nosso passado, as eleições de 2014 são um “raio X” de nosso presente e, um delinear do nosso futuro próximo.

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PARA ALÉM DAS ELEIÇÕES

A democracia brasileira pode ser caracterizada como recente, incipiente e, ao mesmo tempo, emergente. Recente, considerando a história de nossa República ter pouco mais de 120 anos e nosso processo de redemocratização pós- ditadura militar não ter apenas 30 anos. Incipiente, por ainda não garantir mecanismos de participação plena da população nas decisões mais importantes e que incidem diretamente sobre nossas vidas. E emergente porque caminhamos a passos largos – o que não significa que sem perigos de recuos – para uma nova fase, para formas mais participativas de fazer política, para além do voto, para além da representatividade.

Muitos dos atuais problemas da política nacional são resquícios do período colonial e escravista, das oligarquias do início do século XX, das diversas ditaduras e governos pseudodemocráticos do período de redemocratização, sendo que, na maioria desses períodos, tivemos um Estado fortemente repressor e governos mais comprometidos com o capital internacional do que com a construção de um país igualitário, justo e democrático. Como me disse uma senhora enquanto eu escrevia este texto: “os ricos controlam a política para os pobres continuarem pobres”.

Ao mesmo tempo em que refletem o nosso passado, as eleições de 2014 são um “raio X” de nosso presente e, um delinear do nosso futuro próximo. Além disso, nas urnas estará em votação o que o Brasil quer em termos de democratização da nossa sociedade. Está em jogo o quanto queremos avançar ou retroceder na construção de uma nação que deixe de ser símbolo de concentração de renda e poder. Junto com o projeto de país que definiremos com o voto, está em questão o projeto de América Latina, continente no qual diversos países tem buscado romper com a subserviência ao capitalismo imperialista comandado pelos Estados Unidos. Na nova ordem geopolítica planetária, o Brasil tem se apresentado como peça chave de uma lógica de relações mais Sul-Sul, superando a vertical Norte-Sul.

NOSSAS DESIGUALDADES NO CAMPO ELEITORAL

Historicamente, concomitante ao desenvolvimento de nossa república, vivenciamos a construção de um exercício da política que, ora se tende a restringir-se na perpetuação dos privilégios dos endinheirados, ora a se afirmar como garantia de direitos dos despossuídos. Pensar a política no Brasil está diretamente ligado a refletir as múltiplas e complexas desigualdades que sustentam os nossos arranjos sociais. E pensar um processo eleitoral exige lembrarmo-nos dos “Brasis” que estão em jogo. Um jogo desigual, seja na correlação de forças, seja nos resultados.

De um lado, a maioria da população brasileira, composta por muitos segmentos sociais como mulheres, homens, jovens, pobres, negros, crianças, homossexuais, LGBT, cristãos católicos, cristãos evangélicos, espíritas, seguidores religiões de matriz indígena/africana, ateus, moradores da periferia, trabalhadores domésticos, diaristas, trabalhadores informais, artistas populares, artesãos, comunicadores, pequenos agricultores, pequenos empreendedores, desempregados, quilombolas, indígenas, moradores de rua, presidiários, moradores de mangues, de palafitas, de favelas, sem teto, sem terra, sem internet, sem universidade, professores, universitários, analfabetos, analfabetos funcionais, estudantes de escolas públicas, pessoas com deficiência, trabalhadores braçais, prostitutas, taxistas, caminhoneiros, balconistas, aposentados…

É essa maioria da população que constrói o país e, cotidianamente, reinventa formas de convivência e de solidariedade. Que sobrevive às mazelas do capitalismo neoliberal e sua violenta precarização das relações de trabalho. Que resiste à diária manipulação das informações por parte dos meios de comunicação social. Que luta contra o racismo e todas as formas de preconceito e discriminação. População essa a que mais paga impostos e também a que mais depende das políticas públicas que garantam o seu acesso aos direitos básicos da cidadania – moradia, alimentação, saúde, educação, saneamento básico, emprego e transporte.

Do outro lado, não necessariamente “ao lado” da maioria e, menos ainda, “do lado” dela, temos uma elite que sonha não perder o controle do país (“controle” difere de “governo”). Uma elite desenraizada, raivosa, egoísta, ensimesmada e desapaixonada pelo próprio país. Uma elite que, ao mesmo tempo em que explora os pobres, de maioria negra, sonha desfrutar suas riquezas no Primeiro Mundo. Uma elite racista que, por não conseguir entender que este país será melhor quando efetivamente for para todos, reprova as políticas sociais, e ataca, sem piedade, as cotas no ensino superior. Os seus canais de TV nunca veicularam alguma notícia positiva sobre as ações afirmativas.

Porém, “elite” é uma categoria diluída. Se o povo tem rosto, desejos, endereço e nome, a elite também os tem. E podemos classifica-la a partir dos segmentos que ela representa ou que a compõem na sociedade brasileira: os detentores do capital nacional, as grandes construtoras, os grandes empresários do comércio, da comunicação e da indústria e os conglomerados econômicos de diversas áreas – bancos privados, agronegócio, redes de comunicação privada, redes de hospitais e planos de saúde, redes de colégios e universidades particulares, construtoras…

O ESTADO E AS REFORMAS NECESSÁRIAS

O Brasil é uma sociedade cindida, profundamente dividida por interesses antagônicos. De um lado, o povo, querendo viver dignamente. De outro, o mercado, querendo lucrar cada vez mais. No meio, o Estado, secularmente pressionado pelo pensamento de direita, para ser “mínimo”, controlado pelos mais ricos em sua ação e abrangência, colocando à mercê a maioria da população, a emancipação dos pobres e a garantia de direitos constitucionais, quando não sendo usado para excluir, segregar e violar a vida dos mais pobres.

Desde a segunda metade da década de 80, o Brasil tem amadurecido em cidadania, participação popular e democratização dos processos políticos e eleitorais. No auge do neoliberalismo dos anos 90, quando nossas desigualdades eram bem mais acentuadas, a força dos movimentos sociais, com os mais diversos matizes e bandeiras, ao mobilizar a defesa, desde os direitos humanos até a soberania nacional, subsidiou a construção de projetos políticos de esquerda que culminaram em governos – na esfera federal, estadual e municipal – de caráter democrático popular, voltados para a superação da pobreza.

Desde 2003, o mesmo Estado, antes agente gerador de assimetrias sociais, agora tem invertido essa lógica, ao aprofundar o investimento em políticas públicas que promovam inclusão, distribuição de renda, equidade, justiça social e garantia de direitos para os mais pobres. Consequência visível deste modelo tem sido o desuso de termos como “exclusão” ou “uma esmola, pelo amor de Deus”. O Brasil sair do mapa da fome da ONU é um fato histórico.

Avançar em tal perspectiva, a curto e médio prazo, exigirá, contra todas as ingerências ao contrário, a adoção de reformas profundas nas estruturas de nossa sociedade e política: a manutenção do Estado laico; a reforma do sistema tributário para que os mais ricos paguem mais impostos; a reforma agrária; a democratização dos meios de comunicação; o acesso irrestrito à educação e à saúde de qualidade; a urgente superação do racismo responsável maior pelas nossas desigualdades sociais e a reforma das instituições e processos político-eleitorais.

OS PROJETOS EM DISPUTA E A CONSCIÊNCIA DO MOMENTO POLÍTICO

Na última década, mesmo com maior acesso à escolarização, com mais acesso à informação, e maior poder de compra por parte dos mais pobres, tal participação tem saído das ruas e ganhado outros espaços de ativismo político, muitas das vezes, reduzidos às redes sociais. Talvez tenhamos um paradoxo de uma população mais informada e, ao mesmo tempo, menos politizada. E, se menos politizada, mais vulnerável a fazer escolhas movidas, mais pela emoção que pela consciência política.

Há pouco mais de um ano das mobilizações nas ruas do país, quando a população, especialmente jovem, manifestou seu desejo de políticas públicas mais radicais – no sentido de ir às raízes do problema – em áreas como a educação, a saúde, o transporte público e a participação política, mesmo que não tenham voltado com a força reivindicatória de 2013, as pautas que sinalizam a necessidade de avançarmos nessas áreas estão presentes nesta campanha eleitoral, dividindo espaço com a tendência de um crescente neoconservadorismo de cunho religioso a se alastrar pelo país.

Esse paradoxo, às portas das eleições, por um lado, reflete que tem havido uma crescente consciência popular de que a política pública precisa ser construída e voltada para a melhoria da vida dos pobres e dos segmentos sociais que historicamente foram alijados dos processos de produção econômica e social do país. Porém, porque refém de uma despolitização, tal consciência se mostra fragilizada, podendo desencadear em um discernimento equivocado quanto aos diferentes projetos em disputa neste momento.

Termos consciência de quem somos e de onde viemos, ou seja, a consciência histórica do conflito de interesses entre a luta dos trabalhadores (as) e a lógica letal do capital é a condição única para avançarmos em qualidade na política.

Poder escolher deputados (as), governadores (as), senadores (as) e presidente (a) significa delegar-lhes a condução de nosso estado e do país nos próximos anos. Como diz a campanha do TSE, “cada voto vale um país inteiro”.

 

Flávio Passos, professor de Filosofia e Sociologia no Colégio Estadual Carlos Santana, em Belo Campo, Pólo 4, DIREC 20, Rede Estadual de Ensino da Bahia, concursado. Contato: br2_ebano@yahoo.com.br (email efacebook)

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