Artigos,Educação Entre a liberdade de expressão e o potencial de conectividade da juventude

Entre a liberdade de expressão e o potencial de conectividade da juventude

Por Flávio Passos

 

Os dois temas da prova de redação do vestibular 2014 da UESB, aplicada no último domingo, dia 8, abordaram, mesmo que de forma indireta, a questão da participação política.

No primeiro tema, do direito à liberdade de expressão, constitucionalmente garantido, foi apresentado enquanto principal condição de uma democracia política. O segundo, sobre o perfil dos jovens da “geração do milênio”, conectada pelas novas tecnologias, especialmente, as redes sociais, e a sua relação com uma perspectiva de mudança de mundo. No texto “A redação do Enem provoca reflexão sobre o país”, de outubro, elencamos alguns temas possíveis nos vestibulares deste final de ano, dentre eles, “os novos modelos de participação política… as manifestações nas ruas do país apontam pra quê?”.

O formato da prova de Redação da UESB traz uma recorrente estrutura propositiva do enunciado, apresentando, de forma diluída e indireta, várias orientações e dicas do que se precisaria trabalhar na elaboração de texto com qualidade. No caso do segundo tema, sobre a juventude conectada e com potencial de mudança do mundo, foi apresentado apenas um pré-texto, com algumas informações e características desta geração nascida entre 1980 e 2000, ou seja, a geração mesma da maioria absoluta dos vestibulandos.

No enunciado aparecia o assunto central: “o perfil da juventude”. Mas, várias dicas preciosas estavam mesmo nas “orientações”. Três verbos conjugados no imperativo davam o norte do desenvolvimento textual: “enfoque” as formas dessa juventude se relacionar com as tecnologias atuais; “focalize, em seu texto, por exemplo, a relação de sua geração com a tecnologia com as causas sociais, com nova experiência profissional”; e, por fim, para completar as orientações, “reforce os seus argumentos com exemplos e/ ou fatos consistentes”. Era seguir as pistas e construir um belo caminho argumentativo.

Não bastasse esse “mamão com açúcar”, quem elaborou a prova ainda largou uma “senhora” deixa sobre o tema subliminar subjacente ao “perfil” da juventude conectada. Ao usar, ainda no enunciado, a expressão “manifeste o seu pensamento”, a principal meta a ser alcançada pelos candidatos era mesmo a de que interpretassem e abordassem a temática das manifestações nas ruas, reforçada na orientação dos “exemplos e fatos consistentes”. E ainda é possível fazer “um link” com uma das orientações do tema “1” na qual é sugerido fazer a relação da abordagem com o contexto nacional e internacional.

Definitivamente, quem optou pelo tema “2” se saiu bem melhor caso tenha discorrido sobre as manifestações de junho no Brasil, relacionando-as com o perfil da juventude contemporânea e as mudanças promovidas por essas novas formas de atuação política, nas quais a internet tem sido instrumento diferencial, como o foi também na Primavera Árabe, em 2009, no “Occupy All Street”, em 2011, e no Brasil, em junho deste ano. 

Entre o direito à liberdade de expressão e a potencialidade política de conectividade da juventude, a prova da redação do Vestibular 2014 da UESB foi eminentemente politica. E, não obstante, mais uma vez, as temáticas serem tão “urbanóides” (internet, manifestações nas ruas, geração do Milênio, novas tecnologias,…), acredito que, se elas não tiverem suscitado nos candidatos a reflexão sobre as o potencial político do uso das tecnologias, ao menos, terão gerado a provocação sobre que mundo melhor essa geração busca ou ao menos acredita poder alcançar ou construir.

“Alcançar” e “construir” são mais que meros verbos que expressam a consolidação de uma busca, pois que trazem implícitas duas perspectivas muito díspares da forma como cada ser humano opta – ou é levado a – estar no mundo. E as redações produzidas no domingo certamente refletirão bem isso, talvez traduzindo quais são os anseios da juventude atual. Talvez, não. 

Ps.: Enquanto espero o ônibus coletivo na manhã de hoje, indo para o trabalho, neste segundo dia da prova da UESB, vários vestibulandos que me pareciam serem de escola pública, a maioria deles de negros, comentam sobre os dois temas da prova de redação do dia anterior. Boa parte havia escolhido o segundo tema, “por ser mais fácil”. E, de repente, no meio da conversa, uma frase balança as minhas expectativas: “eu quero mudar a minha vida. Mudar o mundo? Isso eu não consigo, não”. Após essa fala, o grupo faz um breve silêncio, cortado por um lacônico: “lá vem o ônibus”. 

Flávio Passos, militante negro, assessor de igualdade racial na Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, coordenador do Pré-Vestibular Quilombola e professor de Filosofia na Rede Estadual. Contato: br2_ebano@yahoo.com.br

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1 thought on “Entre a liberdade de expressão e o potencial de conectividade da juventude”

  1. Bela postagem Geovane. O Flávio utilizou muito bem os temas da redação do vestibular para discorrer sobre os possíveis anseios dessa juventude que, para mim, está tão cheia do vazio do mundo virtual solitário, mesmo tendo mais de 1000 amigos no Facebook.

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